(1) Entre dois mundos

Felipe Tavares

Dois mundos coexistem. Um, aquele com o qual estamos mais acostumados, é pautado pela dominação. Podemos chamá-lo de mundo da separação pois este acredita que todos os seres são separados e operam a partir do autointeresse. Desta forma, o que existe é um ambiente ferrenho de competição.

O outro, embrionário mas latente, é um mundo pautado pela integralidade e respeito à vida. Este reconhece que todos fazemos parte de uma grande teia e que somos interdependentes. Por isso, podemos chamá-lo de mundo do interser (1). Nele, acreditamos que só é possível existir porque todas as outras coisas existem. Assim, temos um ambiente de cooperação rumo à coevolução dos sistemas vivos.

O agente de regeneração habita estes dois mundos.

Quando olhamos para as tristezas do mundo da separação podemos ficar desesperançosos. É fácil sentir-se pequeno diante de um mundo-monstro. Mas, mesmo assim, somos chamados a trabalhar neste lugar.

O trabalho que a liderança regenerativa desempenha no mundo da separação é o de resistência, reparo e cura. É a tentativa de impedir que um mal maior seja feito. É uma dura luta para frear a destruição.

A realidade do mundo da separação, no entanto, não invalida os avanços do mundo do interser. Coexistindo com todas as mazelas, há grandes líderes e iniciativas que são a materialização de um mundo melhor. 

Viver entre dois mundos é aceitar a incerteza, a ambiguidade, e a contradição da caminhada. É realizar o “trabalho de bombeiro” do ativista e ao mesmo tempo desempenhar o “trabalho de visionário” que constrói novos caminhos.

Trabalhar no mundo do interser é fazer o impensável. É operar a partir dos nossos corações e cultivar uma mente ampla e amorosa o suficiente para cuidar e nutrir iniciativas transformadoras.

Te convido, humildemente, a assumir o seu lugar. Nem lá nem cá, entre dois mundos, abrindo trilhas desconhecidas, monstrando o caminho para um mundo mais bonito ao mesmo tempo em que cura e repara os danos já causados.

Vamos conseguir?

Seremos capazes de superar os desafios de nosso tempo e construir um mundo viável? Não é tarde demais? Difícil demais?

Esta é uma indagação comum dos agentes de transformação. Quando dirigida a mim, eu respondo: não importa.

Não me interessa calcular as chances da humanidade sair da armadilha que criou para si. Não me interessa nem mesmo sustentar a civilização como está.

Mas me interessa contribuir a partir da minha melhor visão. Isso porque sei que o futuro se faz a partir de sucessivos presentes. E viver hoje da forma como acreditamos que devemos viver, desafiando tudo que há de ruim a nossa volta, é por si só uma vitória maravilhosa.

A salvação da humanidade, essa tarefa colossal, não cabe a nós. Isso é um equívoco. Não é este o nosso objetivo.

O nosso objetivo é criar ilhas de sanidade em um mar de intolerância, egoísmo e ganância.

Você pode, com a influência que possui, criar espaços potentes para trabalhar e vivenciar aquilo que você acredita ser a melhor expressão da humanidade. Você pode viver o futuro hoje.

(1) interser – termo cunhado pelo monge budista, pacifista, escritor e poeta vietnamita Thich Nhat Hang.

Texto extraído do Livro:

O chamado para a liderança regenerativa. Felipe A.S. Tavares, Instituto de Desenvolvimento Regenerativo. Editora Bambual, 2019